Que mal faz uma epístola?
Manuela Ribeiro Barbosa
Cesário Verde, poeta do “Sentimento dum Ocidental”, preambula, em carta a amigo, que deveria mandar imprimir o cabeçalho de suas cartas em gráfica, uma vez que o início das suas, sempre igual, é normalmente uma sequência de pedidos de desculpas insinceras pelo atraso nas respostas. Essa abertura já nos revela dois dos elementos mais importantes do gênero epistolar: o lugar-comum, fadado a ser repetido e modificado, e a questão da sinceridade. Há muito mais, porém, nas missivas: o aspecto retórico, que os antigos testemunham amplamente, o convívio entre apócrifo e legítimo, a construção simultânea da subjetividade e da alteridade, a obra coletiva, o ritmo que se impõe entre os correspondentes, a lide com normas e a quebra delas, o papel de mediador, a interferência e o ruído.
Daí elas terem figurado, com Platão e Cícero, Sêneca e a primitiva igreja cristã, como protagonistas de relevo, para não mencionar a literatura, desde a carta presente no reconhecimento de Orestes, eleito por Aristóteles o mais perfeito, até tentativas bem mais recentes, quando a carta surge ofuscada pelas demais possibilidades tecnológicas.
Renzo Tosi, em seu Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas, atribui à frase “verba volant, scripta manent” origem medieval, pela necessidade de, em matérias graves, assegurar contratos escritos preferencialmente a acordos verbais. No entanto, como todo bom adágio, este também não tem apenas um significado e um contexto de uso; ele foi invocado historicamente para atestar a permanência da escrita e a sua durabilidade frente ao volátil da fala, aqui representadas pelo termo "verbum", palavra.
A carta, contudo, proteiforme, como expressou Balzac, desagrada aos categorizadores. Conversa à distância, enviada no hoje e através dos tempos, em particular e a quem interessar possa, para evitar o esquecimento ou para mantê-lo, pensamento nômade, como quer Brigitte Diaz, comunicação cujo ideal, um tanto ambíguo, seria extinguir-se e ceder lugar à presença viva, a carta materializa as aporias da escrita; é palavra que permanece e escrita que voa.
Daí elas terem figurado, com Platão e Cícero, Sêneca e a primitiva igreja cristã, como protagonistas de relevo, para não mencionar a literatura, desde a carta presente no reconhecimento de Orestes, eleito por Aristóteles o mais perfeito, até tentativas bem mais recentes, quando a carta surge ofuscada pelas demais possibilidades tecnológicas.
Renzo Tosi, em seu Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas, atribui à frase “verba volant, scripta manent” origem medieval, pela necessidade de, em matérias graves, assegurar contratos escritos preferencialmente a acordos verbais. No entanto, como todo bom adágio, este também não tem apenas um significado e um contexto de uso; ele foi invocado historicamente para atestar a permanência da escrita e a sua durabilidade frente ao volátil da fala, aqui representadas pelo termo "verbum", palavra.
A carta, contudo, proteiforme, como expressou Balzac, desagrada aos categorizadores. Conversa à distância, enviada no hoje e através dos tempos, em particular e a quem interessar possa, para evitar o esquecimento ou para mantê-lo, pensamento nômade, como quer Brigitte Diaz, comunicação cujo ideal, um tanto ambíguo, seria extinguir-se e ceder lugar à presença viva, a carta materializa as aporias da escrita; é palavra que permanece e escrita que voa.
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